Cem mil volts de poesia
Os vídeos das apresentações inflamadas do FreakOut Muzik viraram febre na internet. A poesia ganhou um sopro de modernidade e guerrilha. O coletivo já participou dos principais eventos de poesia do eixo Rio-SP.
Há dois anos foi lançado o álbum “A Palavra Elétrica – volume 1”, com download grátis na internet. A mistura de DJ, megafone, contrabaixo, colagens de textos do Torquato Neto com a performance do Byra provocam sensações memoráveis do texto vivo, pulsante e em chamas.
“Quando eu era garoto as poesias vinham num flash. Era tudo muito instinto e inspiração. Hoje leio muito para criar um repertório para os meus textos. A energia, nos dois momentos, é igual”, disse. Numa conversa de quase quatro horas com o Nóiz, regada a chás, cafés e uma improvável coxinha de soja, o poeta contou a sua história.
Aos 53 anos, Byra já conheceu mais de um terço do mundo. Viajou para a Europa, morou em Cuba por quase um ano e viveu três meses em Paris. Conheceu de perto e absorveu toda a inovação cultural de Nova Iorque. Boa parte dessas andanças ele fez nos anos 70 e 80 quando foi técnico de som e produtor de quase todos os grandes nomes da MPB. A lista é respeitável e conta com nomes como Djavan, Hermeto Paschoal, Tom Jobim, Beth Carvalho, Paulinho da Viola, Lobão, entre outros.
A poesia começou mais cedo do que a música na vida do Byra, aos 15 anos ele já escrevia textos com forte identificação na efervescência da geração hippie, Como o trecho a seguir que acaba num mantra:
“… levaremos algum tempo até que nossas energias se misturem e novamente compreenderemos que somos um. Ommmm”.
Atualmente, o foco da poesia do Byra é a urbanidade de São Paulo, mais precisamente as ruas da metrópole. Morando há 18 meses em Perdizes, o gaúcho que é carioca de criação está se encantando pela capital. “Paulo Leminsky dizia que todo bairro tem um louco que todos tratam bem. Eu, do meu lado, espero que Perdizes me trate bem”, disse.
A fase paulistana da obra do FreakOut Muzik começa com o texto ‘Ode a SP’, que teve uma versão em vídeo gravada numa estrada férrea na fronteira em Brasil e Bolívia.
É uma ode peculiar que chama a atenção pela economia de adjetivos e riqueza de substantivos para descrever os cenários da cidade. Sobre a movimentada Rua Augusta o texto diz:
“Entre os gritos no Ipiranga, o esgoto a céu aberto. Na Augusta e Paulista, os punk, as putas , as travas e os emos. As anfetas, as bolas e as balas. Todos os vícios e delícias”.
Uma das expressões mais marcantes da ode é ‘ambientes audioconfusos’, sobre o barulho constante da cidade, que é emprestada do Fausto Fawcett, autor do livro Básico Instinto, lançado em 2000.
Para o volume 2 do FreakOut Muzik, que deve sair em 2010, um novo material está sendo composto. De temperamento crítico, Byra quer usar a poesia para apontar os problemas sociais. “O trânsito, a chuva ácida, o ônibus que demora 55 minutos para passar no ponto, a violência, são assuntos do cotidiano de quase todo mundo” avalia.
Em janeiro de 2010, o FreakOut vai participar do evento Malocália _organizado pelo coletivo Poesia Maloqueirista, do Caco Pontes e Berimba (SP). “Sairemos do Sesc Pompéia invadindo as ruas com megafones e amplificadores a pilha”.
Outro tema de interesse do artista são as pichações da cidade. “Quero escrever algo com as frases de rua daqui. Tenho uma lista de grafites ótimos. ‘Odeie o seu ódio’, ‘Legalize novamente a maconha’, ‘Não deixe a faculdade atrapalhar a sua educação. São fantásticos e estão espalhados por aí”, disse.
Ouvinte atento de Racionais e Jay-Z, Byra vê muitos pontos de ligação entre o seu trabalho e o hip hop. “Não é só a coisa de ter DJ, tem também à postura libertária do rap. É preciso ter coragem para seguir em frente e enfrentar os desafios. Sem a repressão da Igreja católica, o homem teria chegado à Lua mil anos antes. Não dá mais para aceitar calado opressão do sistema. A revolução tem que ser feita já”, afirmou.
Os próximos projetos do poeta guerrilheiro são a publicação de um livro “meio romance, meio biografia” sobre a história da mitológica banda Os Mutantes e do seu líder Arnaldo Baptista; outro projeto é um livro com crônicas e histórias da MPB. “Vi e ouvi muita coisa bacana”, disse. Nesse livro vai entrar os detalhes da gravação, aqui no Brasil, de um álbum ao vivo do baixista Ron Carter. “Uma verdadeira lenda do jazz que tocou por muito tempo com o Miles Davis. Eu fui técnico de som nesse show. Foi fantástico, virou um grande álbum e eu descolei umas mil doletas”.
Fonte: Revista Noiz